CARNAHYBA,
Nasci em Flores mas ouvia papai falar todo dia em Carnaíba, para onde fora com 13 anos de idade, após a morte do seu pai – já era órfão de mãe, Leopoldina Martins de Oliveira, e pelo sobrenome não precisa dizer que ela era carnaibana –, para morar na casa da sua tia Terta – Tertuliana Martins de Oliveira, casada com Dario Gomes Patriota – que papai chamava de padrinho Dario e de quem gostava muito.
Sua vida em Carnaíba, entre os 13 e os 26 anos de idade, adolescência e juventude, idade de ouro para qualquer pessoa, marcou a personalidade dele até o final da sua vida. Ele gostava muito de Carnaíba, dos tios, tias, primos e primas e do povo da cidade em geral e tinha muitas saudades de lá.
Eu escutava suas histórias mas elas não me diziam muito. Eu quase não conhecia Carnaíba e lá pouco ia. Raramente.
Um certo dia, lendo alguns documentos de papai, encontrei uma carta dele para tio Otoni, datada de 1937, e escrita de "Carnahyba".
Toda criança acha que o mundo começou no dia em que ela nasceu. Eu não era diferente e aquela grafia esquisita me despertou uma gargalhada, supondo que aquilo era muito errado, um erro imperdoável de grafia.
Papai, quando viu o motivo do meu riso, também caiu na risada.
A reforma ortográfica dos anos 40 acabara com as letras "k", "w" e "y" (na reforma de agora foram ressuscitadas), além de criar a acentuação do "i" nas paroxítonas.
Não se escreveria mais Carnahyba, nem Carnahiba, mas Carnaíba. O "h" e o "y" marcavam a sílaba tônica na grafia antiga. Na nova, o acento agudo no "i" faria tudo isso. Não vou me meter em gramática, que disso não entendo, mas meu Deus como mexem na nossa língua.
Talvez os sábios saibam o que fazem. Pelo menos devemos ter esta esperança, pois dos anos 40 para cá já mexeram quatro vezes na "inculta e bela".
Em todo caso, na época eu não podia ter outra reação. Eu já lia e escrevia e nunca vira nada escrito em grafias antigas. Não poderia ter outra reação exceto o riso ante a forma tão "errada" de escrever. Depois o "errada" foi substituído pelo "superada", ou "antiga", ante o "moderno".
O tempo passou. Depois, quando eu, estudando fora, voltava de trem para casa nas férias escolares, Carnaíba era apenas a última parada antes de Flores. Significava que faltava muito pouco para chegar em casa e o tempo de uns quinze a vinte minutos naquela estação era apenas mais uma maçada a ser suportada.
Naquele tempo Flores era pequena; Carnaíba era menor, logo mais atrasada.
Foi assim que a minha geração acostumou-se a pensar sobre os antigos distritos de Flores. Se a sede do município era atrasada, imagine-se o resto, mesmo emancipado. As exceções eram Serra Talhada e Afogados da Ingazeira, sem contar Triunfo, que se emancipara há tanto tempo – 1870 – que nem tinha mais graça.
Com o passar do tempo as coisas mudam.
Estive em Carnaíba no dia 21 de junho de 2011.
O objetivo era apenas falar com o prefeito Anchieta Patriota, neto de tia Terta e filho do maestro Israel Gomes, primo de papai e que se criaram juntos.
Não encontrei Anchieta nesse dia, mas aproveitei para rodar pela cidade e fiquei surpreso. Agradavelmente surpreso.
A estação do trem foi recuperada e ganhou o nome de Maestro Israel Gomes, e lá está sediada a orquestra do município. Pelo DVD que vi, de uma apresentação no Santa Isabel do Recife, é orquestra de valor. Aliás, Carnaíba sempre foi muito musical. Dos anos 30 a 60 do século passado a sua "jazz" era famosa e o maestro Israel era músico fino e compositor de primeira.
Vi muita coisa boa. A cidade bem cuidada, escolas de todo tipo e tudo muito organizado, calçamento por todo lado em quase todas as ruas e avenidas, a principal que hoje se chama José Martins e que seria o orgulho de papai, um tio de quem ele tanto gostava.
Havia muito mais a relatar, coisas que um olhar rápido não consegue gravar em detalhes.
Mas o que realmente me impressionou foi o hospital.
Conheci o Hospital José Dantas. Entrei no prédio para falar com o Dr. João Veríssimo, casado com minha prima Sandra e amizade de mais de quarenta anos.
Circulei por todos os prédios e a cada volta mais me chamava a atenção cada detalhe, como a comida de qualidade, a limpeza, os quartos arejados, claros e "cheirando" a limpeza e higiene.
Não estive em salas de cirurgia, por motivos óbvios. Lá só podem entrar as pessoas autorizadas e devidamente prontas, com assepsia completa. Não sou médico mas sei disso.
José Dantas é o mais ilustre filho de Carnaíba e Pernambuco não é muito generoso com seus filhos ilustres. Não vejo nada de setores culturais do Estado interessados em promover nada com o gênio que foi ele e com suas músicas eternas e que são conhecidas, tocadas, cantadas e assoviadas no Brasil inteiro. Melhor. No mundo inteiro.
Um nome desses não poderia ser dado a um hospital qualquer, especialmente porque, além de compositor dos grandes, José Dantas era médico, coisa que muita gente fora de Carnaíba não sabe.
O hospital faz jus ao nome. É bem construído, numa encosta, com três prédios em desnível dada a declividade do terreno, e prima pela limpeza e pela qualidade de tudo que vi.
De parabéns Carnaíba pelo majestoso hospital. Espero que os pacientes para lá conduzidos tenham bom atendimento e se recuperem, para alívio deles e dos seus familiares.
Há uns dois dias li no blog do Cauê Rodrigues que a prefeitura de Carnaíba está promovendo uma homenagem a Zé Dantas. Merecida homenagem. Ninguém conseguiu traduzir sua cidade, seu Pajeú e o sertão melhor que ele. Letra e melodia são de qualidade incomparável e os inúmeros artistas que gravam ainda hoje suas músicas são a prova disso.
Parabéns, prefeito Anchieta, pela obra mais importante que pude ver. E parabéns pela homenagem a um homem que merece.
Carnaíba está de parabéns.
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